notas devolutivas em inventários

Notas devolutivas em inventários e partilhas: o desafio do Direito Notarial e Registral.

No fascinante e, por vezes, desafiador mundo do direito notarial e registral imobiliário, o tema das notas devolutivas em inventários e partilhas, títulos judiciais e escrituras públicas se destaca como uma questão crítica. Para muitos envolvidos — desde proprietários, compradores, herdeiros e doadores — a esperança de economizar impostos ou contornar burocracias pode levar a impasses que se refletem em notas devolutivas. Compreender os princípios subjacentes ao registro de imóveis é essencial para transformar essas barreiras em marcos de segurança jurídica.

A Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) estabelece, no artigo 221 e seus incisos, quais são os títulos que detêm ingresso no fólio real, mais comumente o Cartório de Registro de Imóveis:

Art. 221. Somente são admitidos a registro:
(Renumerado do art. 222 com nova redação pela Lei nº 6.216, de 1975)

I – Escrituras públicas, inclusive as lavradas em consulados brasileiros;
II – Escritos particulares autorizados em lei, assinados pelas partes e pelas testemunhas, com as firmas reconhecidas; (Redação dada pela Lei nº 14.620, de 2023)
III – Atos autênticos de países estrangeiros, com força de instrumento público, legalizados e traduzidos na forma da lei, e registrados no cartório de Registro de Títulos e Documentos, assim como sentenças proferidas por tribunais estrangeiros após homologação pelo Supremo Tribunal Federal;
IV – Cartas de sentença, formais de partilha, certidões e mandados extraídos de autos de processo;
V – Contratos ou termos administrativos, assinados com a União, Estados, Municípios ou o Distrito Federal, no âmbito de programas de regularização fundiária e de programas habitacionais de interesse social, dispensado o reconhecimento de firma; (Redação dada pela Lei nº 12.424, de 2011)
VI – Contratos ou termos administrativos, assinados com os legitimados a que se refere o art. 3º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 (Lei da Desapropriação), no âmbito das desapropriações extrajudiciais. (Incluído pela Lei nº 14.620, de 2023)

É importante compreender que, para garantir a segurança na transmissão da propriedade e a publicidade dos atos e negócios jurídicos imobiliários, os títulos necessitam de uma análise criteriosa, denominada qualificação registral. Essa qualificação é baseada na lei vigente ao tempo da formalização do negócio jurídico, nos princípios registrais e na interpretação conjunta de todo o arcabouço jurídico. Nesse contexto, passamos à análise dos princípios que norteiam a efetivação da transferência da propriedade e dos direitos relativos a imóveis.

A legislação vigente à época do ato ou negócio, bem como a do momento da apresentação do título, exerce impacto significativo sobre a qualificação registral, moldando a forma como os registros de imóveis são processados nos 27 Estados da Federação e garantindo a segurança jurídica das transações imobiliárias. Abaixo estão os principais impactos:

  1. Conformidade Legal: A legislação estabelece os requisitos que os documentos devem cumprir para serem registrados, incluindo forma, conteúdo e formalidades. A qualificação registral assegura que esses requisitos sejam atendidos, garantindo que apenas documentos válidos e legais sejam registrados, cabendo ao apresentante do título observar as regras do Código Civil, da LRP, das leis específicas, das normativas administrativas e da jurisprudência.
  2. Segurança Jurídica: A legislação oferece um quadro normativo que protege os direitos dos proprietários e terceiros. A qualificação registral atua como verificação para evitar que documentos fraudulentos ou inválidos sejam registrados, protegendo a integridade do sistema.
  3. Transparência e Publicidade: As leis que regem o registro de imóveis exigem publicidade dos registros, permitindo a qualquer pessoa verificar a situação jurídica de um imóvel. A qualificação registral garante que as informações disponibilizadas sejam precisas e confiáveis.
  4. Eficiência nos Processos: A legislação atual busca simplificar e agilizar os processos de registro, reduzindo burocracias desnecessárias. A qualificação registral, ao assegurar que todos os documentos estejam em ordem, contribui para a eficiência e rapidez do processamento.
  5. Proteção Contra Fraudes: A legislação inclui medidas preventivas contra fraudes imobiliárias. A qualificação registral desempenha papel essencial na identificação de irregularidades e inconsistências, evitando a efetivação de transações fraudulentas.
  6. Direitos dos Envolvidos: A legislação vigente protege os direitos de todas as partes envolvidas em uma transação imobiliária — incluindo proprietários, compradores, herdeiros e terceiros — e a qualificação registral assegura que tais direitos sejam respeitados e registrados adequadamente.
  7. Atualização e Modernização: Leis que incentivam a digitalização e modernização dos registros impactam positivamente a qualificação registral, permitindo o uso de tecnologias para aprimorar a precisão e a acessibilidade dos registros. Ao mesmo tempo, exigem dos operadores do Direito — advogados, notários e registradores — constante atualização para refletir sobre o sistema e as implicações das competências, como nos atos notariais, escrituras eletrônicas, assinaturas digitais, ENOTE Assina, e-notariado, e suas diversas vertentes estabelecidas nos provimentos.

Em suma, a legislação vigente fornece o arcabouço necessário para que a qualificação registral funcione de forma eficaz, assegurando que o registro de imóveis seja um processo confiável, transparente e seguro para todos os envolvidos.

O Provimento nº 188, de 04/12/2024, altera o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do Conselho Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), instituído pelo Provimento nº 149, de 30 de agosto de 2023, para revogar o Provimento nº 39/2014 e dispor sobre o funcionamento da Central Nacional de Indisponibilidade de Bens (CNIB) 2.0. Essa central é destinada ao cadastramento de ordens de indisponibilidade de bens específicos ou do patrimônio indistinto, bem como das ordens de cancelamento de indisponibilidade, e trouxe impactos significativos sobre o princípio da prioridade no registro de imóveis.

Uma das mudanças mais críticas é que uma ordem de indisponibilidade de bens, prenotada após a entrada de um título, pode impedir o registro deste título previamente prenotado, salvo se houver ordem judicial em sentido contrário. Essa alteração desafia o princípio tradicional da prioridade registral, que normalmente assegura preferência ao primeiro título prenotado.

A introdução dessa norma pode gerar incerteza jurídica nas transações imobiliárias, pois a ordem de indisponibilidade pode se sobrepor à prioridade de registro. Como consequência, destaca-se a importância de uma diligência aprofundada por parte dos envolvidos nas transações, para evitar surpresas durante o processo registral. O Provimento nº 188, portanto, representa um ponto relevante de discussão sobre como harmonizar a segurança jurídica com a proteção de interesses públicos vinculados à indisponibilidade de bens.

Essas implicações exigem que advogados e partes interessadas estejam atentos e atualizados quanto às novas exigências e procedimentos, garantindo que suas transações sejam não apenas registradas com prioridade, mas também seguras e livres de obstáculos legais imprevistos.

Conclusão

Ao abraçarem os princípios registrais, advogados, proprietários, herdeiros e doadores podem não apenas superar as notas devolutivas, mas transformá-las em oportunidades de fortalecimento jurídico. Com uma abordagem informada e estratégica, é possível garantir que os registros imobiliários sejam não apenas um requisito burocrático, mas um verdadeiro pilar de segurança e confiança.

É tempo de refletir sobre o avanço e a expansão do Direito Registral, que deve ser difundido de forma qualificada e bem direcionada, à medida que profissionais e cidadãos se conscientizam sobre sua suprema relevância. Isso é essencial no momento da elaboração dos títulos previstos no artigo 221 da Lei de Registros Públicos, em total harmonia com os princípios registrais e com a normativa legal, incluindo toda a sua contextualização interpretativa do CSM, dos Tribunais, do STJ e do STF, para garantir segurança jurídica nos negócios imobiliários.

Não tenhamos a nota devolutiva como uma vilã, mas como um norte sinalizador das normas aplicáveis e da legislação pertinente ao caso concreto, respeitando o princípio de que o tempo rege o ato. Que os pensadores do Direito aprendam a raciocinar as transações imobiliárias — seja por compra, doação ou sucessão — como um todo, de modo que o título formalizado alcance seu objetivo final: o ingresso no Registro de Imóveis como um fim em si mesmo.

Renata Cirino Ferreira

Advogada especialista em regularização de imóveis há 11 anos, pós-graduada pela Escola Paulista do Direito, com experiência como escrevente no 1ºRegistro de Imóveis de Jundiai.

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