A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça julgou o Recurso Especial nº 2.121.585/PR em 14 de maio de 2024. A questão principal do recurso é se uma mudança na composição societária de uma empresa, que tinha um contrato de locação por um período determinado, permite que o fiador que havia fornecido uma garantia devido a um vínculo afetivo com um dos sócios que se retirou, possa ser exonerado.
A decisão ressalta a importância de distinguir a notificação feita pelo fiador ao locador informando a intenção de se exonerar, dos efeitos dessa notificação, que irão definir efetivamente a partir de quando o fiador estará isento da obrigação de garantia.
A exoneração do fiador tem um início diferente em cada uma das modalidades de contrato de locação. Para os contratos por prazo indeterminado, o fiador pode se exonerar da fiança a qualquer momento, ficando responsável por todos os efeitos da fiança durante 120 dias após a notificação ao locador, conforme estabelecido no artigo 40, X, da Lei do Inquilinato.
Para contratos inicialmente firmados por prazo determinado que se tornam indeterminados devido à sua prorrogação, os fiadores têm a opção de notificar o locador de sua intenção de se exonerar durante a vigência do prazo determinado, no entanto, a garantia permanece em vigor até o fim deste período. Alternativamente, os fiadores podem optar por notificar o locador quando o contrato se tornar por prazo indeterminado. Nesse caso, eles continuam responsáveis por todos os efeitos da fiança por 120 dias a partir da data da notificação.
Já no caso de locação por prazo determinado que termina na data acordada ou antes, a notificação de exoneração pode ser feita durante sua vigência, mas o compromisso de garantia se estende até o fim do contrato.
Assim, o fiador só será exonerado de sua obrigação em duas situações: (I) no final do contrato por prazo determinado, mesmo que haja uma mudança na composição societária da empresa garantida; ou (II) em 120 dias a partir da data em que o contrato se torna indeterminado, por qualquer motivo.
A decisão ainda recordou que, segundo o artigo 820 do Código Civil, a fiança é uma relação jurídica exclusiva entre o credor e o fiador, em benefício do credor, não precisando da participação ou concordância do devedor neste contrato. Assim, se o fiador concorda em prestar garantia para uma pessoa jurídica, a qual pode sofrer alterações em seu quadro social, ele não pode se exonerar da obrigação assumida alegando um fato que era possível e previsível de acontecer, sob o risco de enfraquecer um dos institutos jurídicos mais utilizados na atualidade
Ademais, se o vínculo pessoal entre o fiador e algum dos sócios da empresa garantida é essencial para a continuidade da garantia, essa disposição deve estar expressamente prevista no contrato de fiança.
Desta forma, a decisão analisada, como muitas antes dela, evidencia a complexidade de assumir uma fiança, posto que a exoneração do fiador não é um processo simples, atando-o à responsabilidade assumida perante o credor por um certo período.
Ao recordar que a fiança é uma relação jurídica entre o credor e o fiador, o STJ evidencia que mudanças na relação pessoal ou na situação do devedor podem não afetar a obrigação do fiador, que deve aceitar o encargo com plena consciência das responsabilidades e potenciais riscos envolvidos.
Maria Laura Moscardini
Doutoranda em Direito pela UNESP, advogada e professora de direito imobiliário no RID.
Editora gerente da Revista de Estudos Jurídicos da Unesp e editora do Blog Professor Marcos Salomão.