Análise acerca da incidência do ITCMD na transmissão das reservas de Previdência Privada – PGBL e VGBL

Nos últimos anos estabeleceu-se controvérsia envolvendo o direito tributário e o direito de família e sucessões, em virtude da regulamentação de alguns Estados da federação brasileira, os quais, através da edição de leis estaduais, passaram a determinar a cobrança do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens e direitos na transmissão de planos de previdência privada, tais como o Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) ou o Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). 

Nesse contexto, Estados como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Sergipe, Paraná, e mais recentemente, Rio Grande do Sul, vêm determinando a cobrança do ITCMD na transmissão de valores dos planos PGBL e VGBL quando do recebimento dos valores inerentes a esses planos pelos beneficiários nomeados, sob o argumento de que os valores decorrentes de planos securitários seriam considerados como “herança”.  

A despeito dessa temática, antes de tudo, é importante fixar a natureza jurídica dos planos de previdência privada abertos, por refletir, diretamente na transmissibilidade ou não das reservas acumuladas aos seus herdeiros quando da morte do titular. 

Atendendo a legislação constitucional, foi editada a Lei Complementar nº 109/2001, que passou a dispor sobre o regime de previdência complementar, operado por entidades de previdência complementar que tem por objetivo principal instituir e executar planos de benefício de caráter previdenciário, submetendo-se a regulamentação do Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e fiscalização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP).

Logo, o PGBL e o VGBL tratam-se de planos de previdência complementar aberta e planos por sobrevivência de seguro de pessoas, respectivamente. Destarte, as reservas constituídas nesses planos possuem natureza e finalidade securitárias, e, consequentemente, não devem ser consideradas como patrimônio transmissível por sucessão causa mortis aos herdeiros legítimos ou testamentários do falecido – quando indicados os beneficiários nos planos de previdência privada. 

Todavia, quando ausente a indicação de beneficiários, a reserva constituída, como direito de crédito, será incorporada ao patrimônio transmissível do falecido e transferida aos seus herdeiros legítimos ou testamentários. 

Portanto, como regra geral, os valores depositados nos fundos de previdência privada não são transferíveis aos sucessores do titular por ocasião de sua morte, mas sim, inteiramente direcionados aos beneficiários indicados nas apólices contratadas.

Corroborando com este raciocínio, o Código Civil Brasileiro vigente (CC/2002) deixou cristalino que seguros de vida ou de acidentes não podem ser tratados como herança, conforme dispõe o artigo 794. Logo, pode-se concluir que a transferência de plano de previdência privada para os beneficiários nomeados, quando do falecimento do seu titular, não guarda qualquer respaldo jurídico que justifique a cobrança do ITCMD.

No que concerne a jurisprudência pátria, em mais de uma ocasião o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se posicionou sobre o assunto, entendendo que o VGBL não integra o acervo hereditário por possuir natureza jurídica de seguro de vida, sobre o qual não incide ITCMD, circunstância que atrai a aplicabilidade do art. 794 do CC/2002 (AgInt nos EDcl no REsp 1618680/MG; AgInt nos EDcl no AREsp 947.006/SP; REsp 877.965/SP).

Nessa mesma linha de raciocínio, em diversas oportunidades, os Tribunais de Justiça de diversos Estados já se manifestaram pelo afastamento da incidência do imposto de transmissão causa mortis sobre os valores mantidos pelo falecido em planos VGBL e PGBL, reconhecendo a natureza jurídica securitária das reservas de previdência privada.

Isto posto, a isenção do tributo pode ser declarada pelo Juízo do inventário – inclusive com a exclusão dos valores decorrentes do PGBL e VGBL da partilha em casos de divórcio e dissolução de união estável – dada sua natureza personalíssima, apta a constituir fundo previdenciário pessoal aos segurados e participantes, sendo inalienável, impenhorável e incomunicável.  

Nesse diapasão, os planos de previdência privada em comento não integram o patrimônio do titular, tampouco constituem herança, submetendo-se a regras de direito contratual e não sucessório. Isso porque, o capital estipulado em seguro de vida não é bem ou direito “deixado” pelo falecido, mas benefício garantido a terceiros que sequer precisam ser seus herdeiros. 

Consequentemente, é possível concluir que, não sendo a verba em comento considerada herança, deve ser afastada a incidência do imposto causa mortis, em consonância com o regramento do artigo 794 do CC/2002, uma vez que a tributação do ITCMD atinge apenas os bens e direitos que faziam parte do patrimônio do falecido. 

Por todo exposto, sob a égide da legislação constitucional e infraconstitucional, a política fiscal dos Estados em buscar a incidência do ITCMD sobre o PGBL e o VGBL é flagrantemente inconstitucional, eis que, em se tratando de seguros de vida com cláusula de cobertura por sobrevivência, são considerados modalidades de planos de previdência privada complementar, classificados pela SUSEP como sendo do ramo de seguro de pessoas.

Ariane Barcellos

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