Prioridade registral e pessoa com deficiência

O Princípio da Prioridade Registral e o Atendimento Prioritário da Pessoa com Deficiência

A Lei 13.146, de 06 de julho de 2015, institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência); e o inciso IX do artigo 3º, prevê que, “para fins de aplicação do Estatuto, consideram-se: pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso”.

O objeto deste artigo é estabelecer se, o princípio da prioridade registral é mitigado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, especialmente, no tocante ao disposto nos incisos II e VII do artigo 9º, no que diz respeito ao atendimento prioritário1.

Nos parece haver uma dicotomia entre os direitos, ou seja, o primeiro, previsto na Lei de Registros Públicos, decorre do princípio da prioridade registral, que determina o direito de preferência no acesso do título ao fólio real2; e, em contrapartida, o segundo, disposto na Lei 13.146/2015, estipula o direito de atendimento prioritário à pessoa com deficiência, direito esse que se estende a tramitação de procedimentos administrativos, na qual a pessoa com deficiência seja parte ou interessada, em todos os atos e diligências.

Como compatibilizar dois direitos, aparentemente antagônicos?

É sabido que, sempre quando há o ingresso de algum título no registro de imóveis, é dado um número de protocolo a ele, com ordem numérica ao infinito, juntamente com a data que o título ingressou na Serventia.

Esse número de protocolo, segue uma sequência rigorosa, na qual os oficiais de registro de imóveis devem adotar o melhor regime interno, a fim de assegurar às partes a ordem de precedência na apresentação dos seus títulos.

Interessante também dizer que, seguindo a ordem do protocolo, aqueles títulos que, porventura não tenham sido registrados até o encerramento do serviço, serão registrados, preferencialmente, no dia seguinte.

O título também, pode ser apresentado por qualquer pessoa, que recebe a denominação de apresentante, seja este o interessado no registro ou não.

Considerando que, à pessoa com deficiência deve ser dado atendimento prioritário, poderíamos dizer que esse atendimento se estende também aos atos registrais, ou seja, a regra da Lei 13.146/2015 se sobrepõe à Lei de Registros Públicos?

A resposta nos parece ser negativa.

A Lei de Registros Públicos relaciona-se com a segurança jurídica e a estabilidade das relações sociais, ela tem como objetivo garantir a autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, sejam eles promovidos por pessoas físicas ou jurídicas.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência, tem como objetivo promover a inclusão social e garantir os direitos das pessoas com deficiência, assegurando o direito ao exercício de sua capacidade legal em igualdade de condições com as demais pessoas.

Nesse diapasão temos que, notários e registradores, enquanto prestadores de serviço de atendimento ao público, devem cumprir, no que diz respeito ao atendimento prioritário e à inclusão social, as regras dispostas na Lei 13.146/2015, não podendo negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão de deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade3.

Porém, no que tange, em especial, ao princípio da prioridade registral, conclui-se que, pedir a vovó para protocolar um título no registro de imóveis, garante o atendimento prioritário, que por consequência, óbvia, esse título terá número de ordem inferior aos demais daquele dia, porém, mesmo que a vovó seja a parte interessada no registro, o ato somente será registrado, pela ordem da numeração do dia, em respeito ao princípio da prioridade registral.

Portanto, não há mitigação do princípio da prioridade em matéria registral, tão somente no atendimento, a que todos as instituições e serviços de atendimento ao público, estão obrigadas, para fins de cumprimento do Estatuto da pessoa com deficiência.

Lídia Pedrosa Clemente Cavalier

Advogada, com 27 anos de experiência na atividade notarial; sócia-proprietária do escritório de advocacia Pedrosa & Clemente Advogados. Especialista em Direito Notarial e Registral.

  1. Art. 9º A pessoa com deficiência tem direito a receber atendimento prioritário, sobretudo com a finalidade de:  II – atendimento em todas as instituições e serviços de atendimento ao público; VII – tramitação processual e procedimentos judiciais e administrativos em que for parte ou interessada, em todos os atos e diligências. ↩︎
  2. Art. 186 – O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente. ↩︎
  3. Art. 83. Os serviços notariais e de registro não podem negar ou criar óbices ou condições diferenciadas à prestação de seus serviços em razão de deficiência do solicitante, devendo reconhecer sua capacidade legal plena, garantida a acessibilidade. Parágrafo único. O descumprimento do disposto no caput deste artigo constitui discriminação em razão de deficiência ↩︎

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