A usucapião é classificada como uma ação real e, dessa forma, atrai a aplicação da regra do artigo 73 do Código de Processo Civil. A assinatura do cônjuge no processo de usucapião é uma questão relevante dentro do direito de família e de propriedade. Isso ocorre porque a usucapião envolve a aquisição de um imóvel pela posse contínua e incontestada por determinado período, o que pode impactar o regime de bens de um casal.
A usucapião é um meio de aquisição de propriedade por meio da posse contínua, pacífica e incontestada de um bem imóvel, desde que cumpridos certos requisitos legais. Esta forma originária de aquisição de imóvel está prevista no Código Civil Brasileiro, especialmente nos artigos 1.238 a 1.244, que detalham as modalidades e os requisitos da usucapião, como o tempo de posse e a boa-fé.
Para que a usucapião ocorra sem impedimentos, é necessário cumprir todos os requisitos, que podem variar de acordo com a modalidade de usucapião (ordinária, extraordinária, especial urbana, entre outras). Em processos judiciais ou administrativos de usucapião, a legislação exige que os envolvidos sejam notificados, incluindo o cônjuge do usucapiente, quando aplicável, para assegurar a transparência e o respeito ao regime matrimonial de bens.
A necessidade da assinatura do cônjuge em processos de usucapião depende principalmente do regime de bens do casal e da situação específica do imóvel a ser usucapido. O Código Civil Brasileiro estabelece diferentes regimes de bens (como, por exemplo, comunhão parcial, comunhão universal e separação total), e a necessidade de consentimento ou assinatura do cônjuge varia de acordo com cada regime.
1. Regime de Comunhão Parcial de Bens
Na comunhão parcial de bens, o patrimônio adquirido a título oneroso durante o casamento pertence a ambos os cônjuges, exceto aqueles bens adquiridos por herança ou doação. A usucapião, em tese, configura-se como aquisição a título originário, pois o bem é adquirido pela posse e não por transferência patrimonial de outrem. No entanto, para a segurança jurídica e a fim de evitar questionamentos, a assinatura do cônjuge pode ser exigida, especialmente quando o imóvel for utilizado como residência do casal ou envolver o interesse patrimonial da família.
2. Regime de Comunhão Universal de Bens
No regime de comunhão universal, todos os bens, presentes e futuros, são comuns ao casal. Nesse caso, o cônjuge deve assinar o processo de usucapião para formalizar sua concordância, já que qualquer aquisição patrimonial durante o casamento pertence automaticamente ao patrimônio comum do casal. Dessa forma, a assinatura assegura que ambos os cônjuges estejam cientes e de acordo com o procedimento.
3. Regime de Separação Total de Bens
No regime de separação total de bens, os bens permanecem como propriedade individual, e cada cônjuge tem a liberdade de adquirir e dispor de seus bens sem a autorização do outro. Nesse caso, em regra, não é exigida a assinatura do cônjuge no processo de usucapião, pois o bem seria registrado apenas em nome de quem está pleiteando o direito pela posse contínua. Contudo, dependendo das circunstâncias e do uso do imóvel, pode ser recomendável envolver o cônjuge para evitar questionamentos futuros.
No caso da usucapião extrajudicial, prevista no artigo 216-A da Lei de Registros Públicos (Lei n. 6.015/1973), regulamentada pelo Provimento n. 149 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é exigido que o cônjuge seja notificado para que manifeste seu consentimento. O Provimento estabelece que, em certos casos, a ausência de assinatura ou consentimento do cônjuge pode ser um impedimento para a continuidade do processo extrajudicial de usucapião, garantindo que o regime de bens do casal seja respeitado e que ambos estejam cientes da nova situação jurídica do imóvel.
Conforme o artigo 407, parágrafo 6º, do Provimento n. 149 do CNJ, se esgotadas as tentativas de notificação do cônjuge sem êxito, o processo poderá seguir com a notificação via edital, que será publicado em local apropriado, garantindo que todos os interessados sejam devidamente informados. No entanto, a via editalícia deve ser a última alternativa, sendo utilizada apenas após serem esgotadas todas as possibilidades de notificação pessoal do cônjuge.
Diversas decisões judiciais ressaltam a importância da ciência e concordância do cônjuge em processos de usucapião, especialmente quando a posse se refere a bens que possam compor o patrimônio comum. Em um dos julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Corte afirmou que a ausência de notificação ou assinatura do cônjuge pode gerar questionamentos sobre a validade do processo de aquisição, comprometendo a segurança jurídica da usucapião.
Na apelação TJMG. 1234664-55.2009.8.13.0567, entendeu-se que a omissão da assinatura do cônjuge em casos em que o bem integra o patrimônio comum do casal pode configurar nulidade no processo de usucapião, em virtude do descumprimento dos princípios da publicidade e da transparência patrimonial.
A assinatura do cônjuge em processos de usucapião é uma questão que deve ser analisada com cuidado, considerando o regime de bens do casal e a natureza do imóvel a ser usucapido. Em regra, quando o bem faz parte do patrimônio comum, como nos regimes de comunhão universal e parcial de bens, a notificação e a concordância do cônjuge são essenciais para assegurar a validade e a transparência do procedimento. Já em regimes como o de separação total, a assinatura pode não ser necessária, mas ainda assim é recomendável visando evitar possíveis questionamentos futuros.
O Provimento n. 149 do CNJ sublinha a importância de esgotar todas as tentativas de notificação antes de recorrer ao edital, garantindo que o processo de usucapião seja conduzido de forma transparente e segura. Dessa maneira, o respeito aos requisitos legais e às diretrizes normativas assegura que a aquisição da propriedade por usucapião ocorra com a devida segurança jurídica, preservando os direitos de ambas as partes envolvidas.
Natalia Santos da Silva Bertalha
Advogada, especialista Direito e Negócios Imobiliários pelo Instituto Damásio. Expert em regularização de imóvel. Pós- Graduanda em direito de família pela Marcos Salomão Educação.