Direito Real de Habitação: 7 respostas que podem garantir um lar vitalício

Direito Real de Habitação: 7 respostas que podem garantir um lar vitalício

O presente artigo tem por objetivo trazer respostas aos principais questionamentos acerca do direito real de habitação, instituto previsto no art. 1.831 do Código Civil de 2002, que visa garantir de forma vitalícia e personalíssima a permanência do cônjuge ou companheiro sobrevivente no imóvel que servia de residência ao casal, não apenas para assegurar o direito à moradia, mas também por se alinhar ao princípio constitucional da dignidade humana, embasado em razões humanitárias e sociais.

O legislador abordou o tema em apenas um artigo do capítulo sobre direito sucessório, sendo que tal simplificação impôs desafios à doutrina e jurisprudência, suscitando questões relevantes sobre a aplicação do instituto. 

1.         O direito real de habitação colide com o direito à herança?

                    Não. Esse conflito é resolvido por meio da técnica da ponderação, em que se atribui maior peso a um princípio em face do caso concreto. No caso em tela, o direito real de habitação é priorizado. 

Conforme ensina o Ministro Luiz Edson Fachin (2002, p. 108)1, o aspecto patrimonial e econômico das relações jurídico-privadas não é um fim em si mesmo, incorporando a função de salvaguardar valores maiores. Assim, o direito real de habitação transcende a simples concretização do direito à moradia, previsto no art. 6º da Constituição Federal de 1988, funcionando como um instrumento para preservar as condições de vida, o ambiente e as relações familiares do lar, permitindo que a viúva e seus filhos mantenham o ambiente de afetividade construído no imóvel.

2.     O direito real de habitação é garantido em qualquer regime de bens?

                 Sim. O Código Civil de 2002 estendeu o direito real de habitação a todos os regimes de bens, sem restrições, aplicando-se inclusive ao regime de separação obrigatória de bens, que é o mais protetivo do ordenamento jurídico.

3.     O direito real de habitação precisa ser registrado na matrícula do imóvel?

                 Não. Embora antigamente houvesse entendimento de que o direito real de habitação deveria ser registrado na matrícula, atualmente, tal registro não é necessário. Esse direito é automático, ex vi legis, decorrente do direito sucessório, e pode ser exercido desde a abertura da sucessão.

                 Portanto, deve-se estar atento ao fato de que, ao adquirir um imóvel, ainda que o direito real de habitação não conste na matrícula, o comprador pode estar adquirindo um imóvel onde a viúva ou o viúvo exercem legitimamente a posse, sob o amparo desse direito. Embora isso não inviabilize a venda, é importante que o comprador esteja ciente de que a plena propriedade pode demorar a se concretizar.

4.   A união estável ainda não reconhecida também garante o direito real de habitação?

              Sim. Conforme decisão do STJ2, mesmo que a união estável ainda não tenha sido formalmente reconhecida e o processo esteja em andamento, o companheiro ou companheira pode ser mantido(a) no imóvel que servia de residência ao casal.

5.     É possível exigir o direito real de habitação quando o falecido deixa vários bens imóveis ou quando a viúva possui outros bens que poderiam servir de moradia?

                Sim, para ambas as questões. Se o falecido deixar vários bens imóveis, a viúva terá direito ao bem que serviu de residência ao casal, independentemente de ser o imóvel de maior ou menor valor. A exigência legal é que seja o imóvel em que memórias foram construídas e afetos consolidados. Mesmo que a viúva possua outro bem que poderia servir de moradia, a lei garante sua permanência naquele onde os laços familiares foram estabelecidos.

6.     Se o imóvel tiver outro proprietário além do parceiro falecido, ainda há garantia do direito real de habitação?

                Não. Por exemplo, se o imóvel foi adquirido pelo falecido juntamente com um filho ou um irmão, o cônjuge sobrevivente não poderá residir no imóvel, uma vez que há co-propriedade com terceiros. Isso também se aplica a imóveis financiados em que o seguro prestamista não cobre a totalidade do bem, e a financeira mantém a co-propriedade, inviabilizando o direito real de habitação, especialmente se os herdeiros assumirem o pagamento das prestações. Uma possível solução seria o cônjuge sobrevivente comprometer-se a assumir as prestações, garantindo o direito de permanência na residência.

7.     Se o viúvo ou viúva contrair novas núpcias ou estabelecer nova união estável, perde o direito ao bem?

                 Talvez. Este é um ponto controverso, pois decisões de alguns tribunais de justiça no Brasil indicam uma possível diferenciação entre cônjuges e companheiros. Até recentemente, o STJ havia pacificado o tema, garantindo a vitaliciedade do direito real de habitação, independentemente de novo casamento. 

Contudo, um julgamento no Tribunal de Justiça do Distrito Federal3 chamou a atenção ao decidir pela extinção do direito real de habitação em caso de nova união estável, com base no art. 7º, parágrafo único, da Lei 9.278/96. 

Embora essa lei possa ser considerada ultrapassada em vários aspectos, ela não foi revogada, e decisões semelhantes foram proferidas pelos Tribunais de Justiça de São Paulo4, Rio Grande do Sul5 e Paraná6.

Janine El Hawat – Advogada no RS, especialista em Direito de Família,  Sucessões e Direito Imobiliário.

  1. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do Direito Civil à luz novo Código Civil Brasileiro. 3ª ed. Rio de Janeiro Renovar, 2012. ↩︎
  2. REsp 1.203.144-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/5/201, disponível em: https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo/?aplicacao=informativo&acao=pesquisar&livre=@cnot=014863
    ↩︎
  3. TJ-DF 00292257020128070003 DF 0029225-70.2012.8.07.0003, Relator: SANDOVAL OLIVEIRA, Data de Julgamento: 29/09/2021, 2ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 18/10/2021 . Pág.: Sem Página Cadastrada.), disponível em : https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-df/1300552180
    ↩︎
  4.  TJ-SP – AI: 21785461420218260000 SP 2178546-14.2021.8.26.0000, Relator: Márcio Boscaro, Data de Julgamento: 23/11/2021, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 23/11/2021), disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1322911717
    ↩︎
  5.  Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS – Apelação Cível: AC 70075667006 RS
    ↩︎
  6.  TJ-PR – AI: 00525646620228160000 Telêmaco Borba 0052564-66.2022.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Luciane do Rocio Custódio Ludovico, Data de Julgamento: 20/03/2023, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 22/03/2023), disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1794829985
    ↩︎

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