O divórcio no passado e a imposição unilateral atual

O casamente sempre foi tido como a base sólida da família e da sociedade, tanto que no passado a marca registrada do casamento era a sua indissolubilidade.
Se no passado, ficávamos presos numa relação marital em razão da família, dos filhos, da falta de condições financeiras ou mesmo da falta de coragem para pôr término aquela relação que não nos nutre de afeto e não preenche a nossa existência, hoje temos o dinamismo, a fluidez das relações amorosas, que nos evidencia que a perpetuidade de vínculos não permanece nos dias atuais e como tal consagra por assim dizer uma nova
evolução da sociedade brasileira.
As normas constitucionais anteriores previam que o casamento era tido como indissolúvel e não havia contornos para dúvidas nessa indissolubilidade marital e conjugal. O Código Civil de 1916 também trazia a indissolubilidade do casamento e somente havia a possibilidade do desquite, isto é, a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal, mantendo o vínculo matrimonial e a impossibilidade de contrair formalmente novas núpcias.
Somente com a Lei do Divórcio de nº 6.515/1977, publicada em 27/12/1977, houve a possibilidade de dissolução do casamento, regulamentando os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos em atenção a Emenda Constitucional de nº 9 de 28 de junho de 1977, sofrendo alteração o
art. 175, § 1º da CF de 1969. A possibilidade do divórcio somente se concretizava após cinco anos de separação prévia e a postulação era uma única vez.
Com a Constituição Federal de 1988, inaugurou a era que trouxe para o centro do debate o princípio da dignidade da pessoa humana e operou o princípio da sociabilidade na vida familiar.
O art. 226, § 6º da Constituição da República Federativa do Brasil reduziu as formalidades e os prazos, prevendo a possibilidade de dissolução do casamento pelo divórcio. A indissolubilidade do casamento cedeu espaço e foi extinguida pelo ordenamento constitucional, ou seja, entramos na era da possibilidade de divórcio entre os cônjuges, dissolvendo por completo o vinculo conjugal e a sociedade conjugal.
No entanto, sempre foi necessário que os dois (ex) consortes manifestassem expressamente a vontade do divórcio. E todo o procedimento seja judicial ou extrajudicial segue o padrão legal da manifestação de vontade dúplice para a finalização do vinculo marital e da sociedade conjugal.
A realidade tem se mostrado disruptiva, em especial após Emenda Constitucional nº 66/2010, na qual o divorcio passou a ser configurado como um direito potestativo daquele que pleiteia, ou seja, há uma sujeição do outro à vontade manifestada expressamente, não havendo margem para oposição. Significa com isso que se eu não
desejo permanecer casada, posso me divorciar comprovando com a certidão de casamento atualizada e requerendo o divórcio que serei atendida.
Fazendo um paralelo quando da celebração do casamento temos que evidenciar que mesmo estando presente as duas pessoas, temos que o ato somente se aperfeiçoa quando os dois dizem o sim, um após o outro e não de forma concomitante, sendo que se um não disser não há casamento celebrado. Com o desenlace também não poderia ser diferente, pois basta apenas um expressar a manifestação de vontade de que não deseja permanecer casado que aquela relação já se encontra desfeita, cabendo ao Judiciário tutelar juridicamente o anseio de quem busca romper o vínculo matrimonial e conjugal.
O REsp nº 2189143-SP julgado em 18/03/2025 pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora Min. Nancy Andrighi concedeu a possibilidade de decretação do divórcio unilateralmente ou impositivo diante do direito potestativo, mediante o emprego da técnica do julgamento parcial antecipado de mérito, nos termos
dos arts. 355 e 356 do Código de Processo Civil, além da decisão ser definitiva, uma vez que o outro se sujeita ao divórcio, não admitindo a permanência do vínculo, o que permite a sua averbação no Cartório de Registro Civil gerando os efeitos pertinentes, consoante a ementa abaixo transcrita, in verbis:
“(…) Considerando-se que: (I) após a Emenda Constitucional 66/2010 o divórcio é compreendido como direito potestativo; (II) a decretação do divórcio independe de contraditório, pois se trata de direito do cônjuge que o pleiteia, bastando que o outro sujeite-se a tanto; (III) basta a apresentação de certidão de casamento atualizada e a manifestação de vontade da parte para que se comprove o vínculo conjugal e a vontade de desfazê-lo; e (IV) a decisão que decreta o divórcio é definitiva, não podendo ser alterada em sentença; verifica-se possível a decretação do divórcio liminar, mediante o emprego da técnica do julgamento parcial antecipado de mérito, nos termos dos arts. 355 e 356 do Código de Processo Civil. (…)”
Logo, porque evitar o inevitável que já está presente em nossa sociedade atual no tocante ao rompimento da relação conjugal não só faticamente e imediatamente quanto na certidão de casamento. A realidade da vida se impõe e não há porque atrasar o direito do ex consorte de ver refletido na certidão de casamento averbada o correto estado civil único, singular e individualizado. Essa é a nossa ferramenta futura, que se encontra expressamente positivada no art. 1582-A do Projeto de atualização do Código Civil (PLS nº 4/2025), dispondo acerca da possibilidade do divórcio unilateral ou impositivo.

Referências:
1) TARTUCE, Flavio. O divorcio unilateral ou impositivo.
https://ibdfam.org.br/artigos/1342/O+div%C3%B3rcio+unilateral+ou+impositivo++
consulta em 03/06/2025;
2) FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito
civil:sucessões. 4.ed. rev., ampl. e atual. Salvador. Ed.Juspodivm, 2018;
3) CALMON, Rafael. Direito das famílias e processo civil: interação, técnicas e
procedimento sob o enfoque do Novo CPC. São Paulo: Saraiva, 2017.
4) ALVES, Jones Figueiredo: https://ibdfam.org.br/artigos/2291/O+REsp.+2189143-
SP+refor%C3%A7a+cabimento+do+div%C3%B3rcio+unilateral consulta em
03/06/2025;
5) ROSA, Conrado Paulino da Rosa. Direito de Família Contemporâneo. 11º ed. rev.
atual. Ampl. Editora JusPodivm, 2024.

Isabel Cristina Albinante

Advogada, especialista em Processo Civil, pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ e Família e Sucessões, especializada em Direito Imobiliário.

Atua há 23 anos e sou sócia fundadora do escritório Albinante Advogados Associados. Integrante ativa do Instituto Brasileiro de Direito de Família IBDFAM sob o nº 15022. Exerceu a função de juíza leiga no período de 2008 a 2013.

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