"Usucapião Extrajudicial STJ decisão "

O marco inicial da usucapião e o cuidado com a teoria da actio nata: reflexões a partir da jurisprudência do STJ

Inspirada na excelente aula sobre Usucapião Extrajudicial ministrada pela Professora Tatiane Keunecke Brochado, Registradora de Imóveis de Paraguaçu Paulista-SP, na Pós-graduação em Direito Imobiliário Extrajudicial da Marcos Salomão Educação, decidi analisar uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça que reforça a importância de compreender com precisão o tempo de posse no procedimento de usucapião.

No REsp 1.837.425/PR, a Terceira Turma do STJ enfrentou a seguinte questão: o prazo para usucapião começa a contar a partir da ciência do proprietário sobre a posse alheia (viés subjetivo da teoria da actio nata), ou desde o início da posse ad usucapionem?

A resposta foi clara: a contagem do prazo da usucapião se dá a partir do início da posse com os requisitos legais (posse ad usucapionem), independentemente da ciência do proprietário original. O STJ afastou a aplicação da teoria da actio nata sob o viés subjetivo, destacando que tal interpretação só deve ser admitida em hipóteses excepcionais, quando o titular do direito estiver completamente impedido de agir por ausência total de conhecimento da lesão – o que não se verificava no caso.

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DEMARCATÓRIA. USUCAPIÃO. TERMO INICIAL DO PRAZO. TEORIA DA ACTIO NATA SOB O VIÉS SUBJETIVO. AFASTAMENTO. NECESSIDADE . RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E DESPROVIDO.

  1. O propósito recursal consiste em definir se a teoria da actio nata é aplicável à prescrição aquisitiva, notadamente quando a violação ao direito de propriedade é constatada somente após ação demarcatória.
  2. De acordo com o art. 189 do CC, o prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada a lesão ao direito subjetivo, independentemente do momento em que seu titular tomou conhecimento pleno do ocorrido e da extensão dos danos. Essa regra é excepcionada somente quando a própria lei estabeleça o termo inicial da prescrição de forma diversa ou quando a própria natureza da relação jurídica torna impossível ao titular do direito adotar comportamento diverso da inércia, haja vista a absoluta falta de conhecimento do dano.
  3. O viés subjetivo da teoria da actio nata deve ser admitido com muita cautela e em situações excepcionalíssimas, somente quando as circunstâncias demonstrem que o titular do direito violado não detém nenhuma possibilidade de exercitar sua pretensão, justamente por não se evidenciar nenhum comportamento negligente de sua parte.
  4. No caso dos autos, não se vislumbra a excepcionalidade necessária para sua aplicação, pois, não obstante a ação demarcatória tenha demonstrado a existência de demarcação irregular entre os lotes, a violação do direito dos recorrentes era passível de constatação desde o momento em que as cercas foram estabelecidas irregularmente entre os imóveis, de modo que os titulares do direito tinham condições de exercitar sua pretensão antes da configuração da usucapião.
  5. O termo inicial da prescrição aquisitiva é o do exercício da posse ad usucapionem, e não da ciência do titular do imóvel quanto a eventual irregularidade da posse, devendo ser afastada a aplicação da teoria da actio nata em seu viés subjetivo.
  6. Recurso especial conhecido e desprovido.
    (REsp n. 1.837.425/PR, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 22/6/2023.)

Essa decisão reforça um ponto fundamental para quem atua com usucapião extrajudicial: o registro de início de posse clara, contínua e incontestada é essencial para o sucesso do procedimento. Não basta alegar desconhecimento do proprietário anterior; é preciso comprovar que a posse se deu de forma incontestável e com os requisitos legais desde o início.

Fica o convite para continuarmos refletindo sobre o papel do tempo na posse e na propriedade — e a importância da atuação técnica e diligente dos profissionais extrajudiciais na condução desses procedimentos.

Maria Laura Bolonha Moscardini

Doutoranda e Mestra em Direito pela UNESP. Advogada. Professora. Pesquisadora. Autora.
Editora-chefe do Blog do Professor Salomão. Editora-gerente da Revista de Estudos Jurídicos da UNESP. Coordenadora dos cursos de pós-graduação da Marcos Salomão Educação.

Café com registro de imóveis 

Assista aqui as últimas lives do café com registo de imóveis, programa que ocorre de segunda a sexta no Instagram desde janeiro de 2021.

Sobre o autor

Comentários

tenha acesso ao nosso arsenal de cursos