Gabriella Simonetti Meira Pires Barbalho – Mestre em Direito pela Faculdade da Espanha ( UPV/EHU) , Especialista em Direito Civil e Empresarial, Empresária ( graduada em administração de empresas), Advogada e Professora de direito Civil e Professora de direito imobiliário no RID.
O contrato de doação é um instrumento jurídico amplamente utilizado no Brasil para transferir bens ou valores de uma pessoa para outra sem exigir qualquer tipo de contraprestação. No entanto, algumas questões polêmicas surgem quando se trata de aceitação da doação, revogação da doação, doação inoficiosa, doação entre cônjuges. Este artigo aborda essas questões, destacando suas implicações legais e práticas.
O primeiro questionamento que surge é se a aceitação da doação é um requisito essencial para a validade do contrato de doação. Via de regra, a doação só se concretiza quando o donatário manifesta sua concordância em receber o bem ou valor doado. No entanto, a aceitação pode ser tácita ou expressa, e a ausência de uma manifestação clara pode gerar dúvidas sobre a efetivação da doação.
Uma questão polêmica é a aceitação da doação por menores de idade ou incapazes. Nesses casos precisa distinguir a incapacidade relativa da incapacidade absoluta. A aceitação poderá ser dispensada para o absolutamente incapaz, desde que se trate de uma doação pura, ou seja, aquela doação em que não existem restrições ou condições para o beneficiário utilizar o bem. Já a doação pura feita para relativamente incapaz pode ser aceita sem necessidade de intervenção do representante legal.
A revogação da doação só pode ser feita pelo próprio doador, não se admite revogação por procuração e nem representação de herdeiros. A doutrina majoritária considera o rol de hipóteses de ingratidão como exemplificativo. Dentre as hipóteses de revogação estão a ingratidão do donatário, e inexecução do encargo. A ingratidão do donatário, por exemplo, pode ser configurada por atos de ofensa grave, injúria ou até mesmo tentativa de homicídio contra o doador ou alguém da sua família.
Contudo, existem modalidades de doações que mesmo por ingratidão não podem ser revogadas: as doações remuneratórias, as doação com encargo já cumprido; e as doações para casamento. A revogação da doação é um processo complexo e muitas vezes litigioso. O doador deve provar judicialmente a ocorrência dos motivos que justificam a revogação, o que pode envolver longas batalhas judiciais e a produção de provas contundentes.
Quanto ao prazo decadencial para a revogação, a doutrina diverge do dispositivo legal previsto no art. 559 do Código Civil que prevê o prazo de um ano previsto para ingratidão. Os doutrinadores defendem a aplicação de 10 anos para a execução do encargo, Independente do prazo vigora a actio nata, ou seja o prazo começa a contar da ciência do ato de ingratidão.
Uma das questões mais controversas no âmbito do direito sucessório brasileiro é a doação inoficiosa. Segundo o Código Civil, a doação não pode prejudicar a legítima dos herdeiros necessários, que são aqueles que têm direito a uma parte mínima da herança, como filhos, pais e cônjuge. Quando a doação excede a parte disponível do patrimônio do doador, ela é considerada inoficiosa e pode ser reduzida judicialmente.
A principal polêmica em torno da doação inoficiosa reside na dificuldade de calcular o valor exato da legítima e da parte disponível, especialmente quando o patrimônio do doador é complexo ou inclui bens de difícil avaliação. Além disso, a doação inoficiosa pode gerar conflitos familiares, uma vez que herdeiros prejudicados podem questionar a validade da doação.
De acordo com a 3º Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, a doação inoficiosa é verificada no momento da liberalidade. Logo, o excesso da doação, a parte inoficiosa propriamente dita, não pode ser apurada no momento da morte do doador, conforme precedentes da corte.
A nulidade da doação inoficiosa, que excede a legítima, é classificada como nulidade absoluta, com a consequência da redução da liberalidade. O STJ, embora divergente, prevalece com a aplicação do prazo prescricional de 10 anos para ações de desfazimento da doação inoficiosa.
A doação entre cônjuges é outro tema que suscita debates. De acordo com o Código Civil, cônjuges podem doar bens entre si, mas essa doação deve observar o regime de bens adotado no casamento.
No regime da comunhão parcial de bens, por exemplo, a doação de bens comuns pode ser contestada, pois afeta o patrimônio do casal. Logo, para que ela seja possível a doação, o bem doado precisa estar na esfera do patrimônio particular do cônjuge doador.
Na doação entre cônjuges em regime de comunhão universal o STJ considera a doação entre cônjuges neste regime como nula, pois em tese, tudo já pertence a ambos. A doutrina por sua vez, entende que essa nulidade, contudo, pode não se aplicar a bens excluídos da comunhão universal.
A questão da validade da doação entre cônjuges em regime de separação obrigatória, que gera controvérsia, foi respondida pelo enunciado 654 da 9ª Jornada de Direito Civil, que considera válida a doação em regra.
Uma questão polêmica é a doação de bens particulares de um cônjuge para o outro. Embora seja permitida, essa prática pode ser vista com desconfiança, especialmente em casos de separação ou divórcio, quando um dos cônjuges pode alegar que a doação foi feita com o intuito de fraudar a partilha de bens.
O contrato de doação é um instrumento valioso e amplamente utilizado no Brasil, mas envolve diversas questões polêmicas que exigem atenção e cuidado e que frequentemente geram conflitos e debates judiciais. Portanto, é essencial que doadores e donatários conheçam bem as implicações legais desses atos e, sempre que possível, busquem orientação jurídica para evitar problemas futuros.