A holding, como vimos nos artigos anteriores, surgiu para organizar grandes impérios empresariais e
se consolidou como ferramenta de comando e proteção no cenário norte-americano e europeu. Mas, e
no Brasil? Por que ela demorou tanto para se firmar como uma opção viável? E, quando surgiu, a quem
servia? Neste artigo, vamos entender o contexto político, econômico e jurídico que moldou a chegada
da holding ao país — e porque, num primeiro momento, ela foi adotada apenas por grandes grupos
empresariais.
O Brasil da intervenção estatal
Diferente dos Estados Unidos, onde a holding floresceu com base no espírito empresarial privado, o
Brasil seguiu um caminho próprio por boa parte do século XX. A industrialização brasileira foi conduzida
por um Estado com papel ativo na economia, que assumiu a dianteira no desenvolvimento de setores
estratégicos. Desde Getúlio Vargas, passando pela Era JK e pelas décadas seguintes, o Estado
posicionou-se como promotor direto do crescimento: criou estatais, construiu usinas, estradas,
barragens, ferrovias e organizou cadeias produtivas essenciais.
Durante o chamado “milagre econômico” (1968–1973), o país viveu um período de crescimento
acelerado, com forte expansão da infraestrutura, da indústria pesada e do crédito direcionado. No
entanto, esse modelo dependia de financiamento externo. Com a eclosão da Crise do Petróleo, em
1973, e o aumento abrupto do preço do barril, o Brasil viu-se diante de um novo desafio: conter a
inflação, manter os investimentos e administrar o crescente endividamento externo.
Esse cenário intensificou o papel estatal na economia, ao mesmo tempo em que impunha a
necessidade de maior eficiência, organização e profissionalização dos grandes grupos. Foi nesse
contexto que surgiu, com força, a demanda por um marco jurídico mais sofisticado para o ambiente
empresarial.
Nesse ambiente, o empresariado privado atuava em áreas periféricas ou dependentes de concessões,
crédito público e relações com a administração pública. Faltava um ambiente jurídico estável, confiança
institucional e cultura de planejamento de longo prazo. A figura da holding, nesse contexto,
simplesmente não fazia sentido.
Uma exceção de modernização institucional: a Lei das S.A.
Foi apenas em 1976 que surgiu o marco jurídico que permitiria a existência formal das holdings no
Brasil: a Lei nº 6.404/76, conhecida como Lei das Sociedades por Ações. Essa legislação sofisticada
e moderna nasceu em um momento de esforço de modernização institucional do país. À frente do
projeto estava Mário Henrique Simonsen, então Ministro do Planejamento e um dos principais
articuladores da nova lei.
Simonsen tinha uma missão clara: modernizar a economia brasileira e preparar o país para a ampliação
do mercado de capitais e da governança empresarial, missão essa que lhe foi confiada pelo presidente
Ernesto Geisel como parte do esforço de implementação do Segundo Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND). Inspirada no direito societário europeu e norte-americano, a Lei das S.A.
trouxe conceitos como governança corporativa, proteção ao acionista minoritário, relações de controle
e transparência contábil. Pela primeira vez, o Brasil passava a ter um arcabouço normativo compatível
com a existência de empresas que detinham participações em outras — exatamente o conceito de
holding.
As primeiras holdings brasileiras
Apesar da sofisticação da Lei das S.A., a adoção das holdings como instrumento de governança e
organização ainda encontrou obstáculos relevantes. Um deles foi a desconfiança de parte do próprio
Estado. Por décadas, a Receita Federal e alguns tribunais viam com reservas as reestruturações
societárias que envolviam holdings, muitas vezes confundindo planejamento patrimonial legítimo com
fraude fiscal ou simulação. Isso criou um ambiente de incerteza que inibiu a disseminação da prática
fora dos grandes grupos.
Além disso, o modelo brasileiro de abertura econômica nos anos 1990, com privatizações e fusões
transnacionais, contribuiu para consolidar o uso das holdings como instrumento societário. A estrutura
passou a ser também reconhecida em decisões judiciais como legítima, autônoma e eficaz para fins de
governança, sucessão e proteção de ativos — especialmente nos tribunais superiores.
O contraste com os modelos norte-americano e europeu ainda era evidente: nesses países, o uso de
holdings estava amparado por um histórico mais longo de respeito à autonomia patrimonial e à
circulação formalizada de ativos. No Brasil, o caminho foi mais lento, mas a base jurídica foi lançada.
Com a nova lei, grandes grupos econômicos brasileiros começaram a se reorganizar. Conglomerados
industriais, bancos e empresas de infraestrutura passaram a usar holdings para concentrar o controle,
facilitar reorganizações societárias e buscar eficiência tributária. Entre os grupos que adotaram o
modelo de holding nas décadas seguintes à Lei das S.A., destacam-se nomes como Votorantim,
Gerdau, Ultrapar, Itaú e Odebrecht. Cada um, à sua maneira, usou a estrutura para concentrar o
controle de diversas subsidiárias, facilitar a sucessão familiar e aprimorar a governança. A holding
deixava, assim, de ser uma abstração jurídica para tornar-se o vértice do poder empresarial no Brasil.
Mas tudo isso acontecia em um nível elevado, inacessível à maior parte das famílias e empresários
comuns. A figura da holding seguia restrita à esfera empresarial, sendo tratada com cautela por
advogados, contadores e órgãos de fiscalização. Planejamento patrimonial ainda era um conceito
estranho ao ambiente jurídico brasileiro.
Conclusão
A holding chegou ao Brasil tardiamente, e não como instrumento de proteção da família, mas como
ferramenta de reorganização empresarial de grandes grupos econômicos. Ela surgiu impulsionada por
um ambiente de modernização jurídica, mas em um país ainda preso a estruturas patrimoniais informais
e centralizadas.
Na próxima semana, mergulharemos mais fundo nesse paradoxo e vamos entender porque o Brasil,
mesmo com tanta terra, tanto risco e tanto improviso, demorou a perceber que o patrimônio familiar
também precisava de proteção jurídica.
Referências
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Piraju Borowski
Piraju Borowski Mendes é sócio fundador da PBCA Planejamento, que tem a missão de elevar a conscientização e a prática do planejamento
patrimonial entre as famílias brasileiras. Coronel da reserva do Exército Brasileiro e membro do Time Holding Brasil, exerce a atividade de
consultoria aplicada ao planejamento patrimonial das famílias. É Doutor em Ciências Militares, por notório saber; Especialista em Direito Imobiliário
Extrajudicial e Especializando em Direito de Família e Sucessões Extrajudicial. Dedica-se ao estudo e elaboração de holdings familiares desde 2021,
seguindo a metodologia de planejamento patrimonial que emprega como ferramenta o sistema de holding familiar