Introdução
A regularização fundiária dos imóveis rurais situados nas faixas de fronteira do Brasil configura um dos desafios jurídicos e patrimoniais mais relevantes da atualidade. O presente artigo analisa as implicações nacionais da Lei nº 13.178/2015, que estabelece procedimentos obrigatórios para a ratificação de títulos originários de concessões estaduais, utilizando como caso exemplar a região Oeste de Santa Catarina, a fim de ilustrar seus impactos práticos e históricos.
Contexto histórico-legislativo
Desde o Decreto-Lei nº 1.164, de 1939, o legislador brasileiro enfrenta dificuldades para regulamentar as concessões estaduais de terras situadas em regiões fronteiriças, tradicionalmente marcadas por insegurança jurídica e conflitos territoriais. Ao longo dos anos, diversas normas foram editadas com o intuito de solucionar esses impasses, destacando-se a Lei nº 4.947/1966, que autorizou a ratificação das concessões estaduais; o Decreto-Lei nº 1.414/1975; e a Lei nº 9.871/1999, que estabeleceram prazos específicos para a regularização. Atualmente, vigora a Lei nº 13.178/2015, alterada pela Lei nº 14.177/2021, a qual determina o prazo final para a ratificação até outubro de 2025.
Discussões jurídicas e decisão do STF
A constitucionalidade da Lei nº 13.178/2015 foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI nº 5.623. Embora tenha sido considerada parcialmente constitucional, o STF impôs critérios adicionais rigorosos para novas ratificações, independentemente do tamanho do imóvel, incluindo a comprovação do cumprimento da função social da propriedade, a compatibilidade com as políticas agrícolas e o alinhamento ao plano nacional de reforma agrária.
O exemplo de Santa Catarina
O oeste catarinense exemplifica de forma clara os desafios impostos pela Lei nº 13.178/2015. A colonização promovida pela Companhia Territorial Sul Brasil, a partir de concessões recebidas do Estado de Santa Catarina na década de 1930, resultou em milhares de lotes vendidos a agricultores, atualmente sujeitos à obrigatoriedade de ratificação. A ausência de regularização dessas terras ameaça o patrimônio de inúmeras famílias, comprometendo a segurança jurídica e econômica de toda a região.
Consequências jurídicas e patrimoniais
Proprietários de imóveis com área superior a quinze módulos fiscais, localizados em faixa de fronteira e originários de títulos de alienação ou de concessão de terras devolutas expedidos pelos Estados, que não cumprirem a exigência legal até outubro de 2025, enfrentarão graves consequências. Dentre elas, destacam-se a perda automática do imóvel para a União, a indenização restrita às benfeitorias essenciais e a impossibilidade de realização de transações comerciais ou de obtenção de crédito rural. Esse cenário exige, sem dúvida, ação imediata por parte dos proprietários rurais.
O procedimento para regularização desses imóveis inclui a certificação do georreferenciamento, nos termos dos §§ 3º e 5º do art. 176 da Lei nº 6.015/1973, bem como a atualização da inscrição no Sistema Nacional de Cadastro Rural, instituído pela Lei nº 5.868/1972. A lei prevê, ainda, que a ratificação dos registros imobiliários referentes a imóveis com área superior a dois mil e quinhentos hectares ficará condicionada à aprovação do Congresso Nacional.
Embora a Lei nº 13.178/2015 previsse, inicialmente, que imóveis com área inferior a quinze módulos fiscais estariam automaticamente ratificados, em razão da modulação de efeitos da ADI 5.623, apenas os pequenos e médios imóveis rurais cujos títulos já haviam sido devidamente ratificados pelos cartórios de registro de imóveis na data da publicação da ata de julgamento (1º/12/2022) estão dispensados de novo procedimento de ratificação. Todos os demais, independentemente do tamanho, ainda precisam comprovar o cumprimento da função social da propriedade, a compatibilidade com as políticas agrícolas e o alinhamento ao plano nacional de reforma agrária.
É necessário destacar, ainda, que o enquadramento do imóvel deve considerar o número de módulos fiscais existentes na matrícula imobiliária na data de publicação da Lei nº 13.178/2015, ou seja, em 22/10/2015, independentemente de eventuais desmembramentos ou remembramentos posteriores.
Conclusão e orientações práticas
Diante da relevância nacional do tema e das significativas consequências envolvidas, os proprietários de imóveis rurais com mais de quinze módulos fiscais localizados em faixas de fronteira devem buscar, com urgência, apoio jurídico especializado para assegurar a ratificação de suas propriedades.
Recomenda-se, ainda, que os proprietários de pequenos e médios imóveis rurais, enquadrados nos critérios da Lei nº 13.178/2015, realizem a averbação da ratificação na matrícula imobiliária, a fim de comprovar a regularidade da propriedade, conforme os requisitos legais relacionados à função social, à compatibilidade com as políticas agrícolas e ao alinhamento com o plano nacional de reforma agrária.
O exemplo da região oeste de Santa Catarina reforça a importância dessa medida, demonstrando que apenas o cumprimento rigoroso dos requisitos legais será capaz de proteger o patrimônio dos proprietários e garantir estabilidade econômica e jurídica à região.
Referências:
BRASIL. Lei nº 13.178, de 22 de outubro de 2015. Diário Oficial da União, Brasília, 2015. BRASIL. Lei nº 14.177, de 22 de junho de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, 2021. TEDESCO, João Carlos; FERRARI, Luiz Fernando. A Companhia Sul Brasil e a intrusão nos processos de colonização no Extremo-Oeste de Santa Catarina – 1960-1980. Historiæ, v. 12, n. 2, 2021.
Supremo Tribunal Federal, ADI nº 5.623, julgamento em 01/12/2022.
Leticia Mariussi Signor
Advogada atuante em Planejamento Patrimonial e Sucessório, ex-tabeliã de notas em Santa Catarina e ex-servidora do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). É pós-graduada em Direito Material e Processual, pós-graduanda em Direito Imobiliário e em Direito de Família e Sucessões, e mentorada do Professor Marcos Salomão.