Lei de Registros Públicos Brasil

O PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE E OS TÍTULOS ANTERIORES À VIGÊNCIA DA LEI 6.015/73

O dia 1º de janeiro de 1976 foi o marco dos registros públicos no Brasil, quando entrou em vigor a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), instrução normativa que inaugurou o novo sistema registral brasileiro, trazendo, logo em seu primeiro artigo, a promessa de segurança e eficácia aos atos jurídicos.

Tem-se então, um novo sistema registral, que, na designação genérica de “registro”, engloba tanto a inscrição quanto a transcrição (antigo sistema de registro). O novo registro é agora a “matrícula”: tudo será migrado para este documento, no qual estarão concentrados todos os atos relativos ao imóvel. Tudo estará perfeitamente documentado (Livro nº 2, Registro Geral, destinado à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 da LRP).

Assim, prescreveu o legislador (redação original da LRP): “Art. 176. I – cada imóvel terá matrícula própria, que será aberta por ocasião do primeiro registro a ser feito na vigência desta Lei”.

Desta forma, surgiram novos requisitos para a abertura da matrícula, englobando elementos de especialidade tanto objetiva, quanto subjetiva. Os registros precisam ser claros para trazer maior segurança e eficácia aos atos jurídicos registrados. A redação original era a seguinte:

Art. 176, II. São requisitos da matrícula: 1) o número de ordem, que seguirá ao infinito; 2) a data; 3) a identificação do imóvel, feita mediante indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver; 4) o nome, domicílio e nacionalidade do proprietário, bem como: a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação; b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda; 5) o número do registro anterior.

Art. 176, III. São requisitos do registro no Livro nº 2: 1) a data; 2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como: a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação; b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda; 3) o título da transmissão ou do ônus; 4) a forma do título, sua procedência e caracterização; 5) o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver.

Os elementos do registro previstos no Decreto nº 4.857/39 (vigente até 01/01/1976) estão elencados no revogado artigo 247. São eles: o número de ordem e o da anterior transcrição; data; circunscrição judiciária ou administrativa em que se situa o imóvel, conforme o critério adotado pela legislação local; denominação do imóvel, se rural, rua e número, se urbano; características e confrontações do imóvel; nome, domicílio, profissão, estado e residência do adquirente; nome, domicílio, estado e profissão do transmitente.

O sistema era bem simples, sem grande preocupação em identificar de maneira precisa as pessoas e os objetos do registro. As pessoas eram conhecidas do tabelião de notas e do registrador; admitiam-se apelidos, ou outras formas de identificação (como a pessoa era conhecida, tanto pelos titulares do registro quanto pelos confrontantes dos imóveis). A cidade estava em crescimento, muitas ruas ainda sem denominação; imóveis urbanos e rurais eram extensos, e o levantamento dependia de uma tecnologia precisa. Assim, bastava dizer com quem confrontava e já estava delimitada a localização, às vezes até da parte transmitida. Marcos naturais também eram considerados elementos de segurança para atestar a posição de uma divisa.

Contudo, o caos se instaurou, pois muitos títulos ainda não haviam sido registrados até o dia 1º de janeiro de 1976. Muitas dúvidas, por certo, surgiram naquele momento de transição para um registro mais seguro e eficaz, com exigências que até então não eram requeridas.

A resposta veio com a Lei 6.688, de 1979, que incluiu o § 2º no artigo 176 da LRP, resolvendo, em parte, o problema: “Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior”.

Assim surgiram as matrículas precárias, que obrigatoriamente deveriam ser abertas, obedecendo os requisitos da legislação anterior. No entanto, a questão conflitante era: quando esses proprietários voltariam para regularizar a especialidade objetiva e subjetiva dessas matrículas?

O saldo se arrastou e ainda se arrasta até os dias de hoje. O legislador continuou alterando a Lei de Registros Públicos, trazendo aos poucos, maior segurança e eficácia, exigindo especialidade. Mas onde estão os títulos ainda não registrados desde o dia 1º de janeiro de 1976? Como acessarão o registro hoje?

Talvez a Lei 14.382/2022, incluindo o § 17 no artigo 176, tenha buscado resolver essa questão: “Os elementos de especialidade objetiva ou subjetiva que não alterarem elementos essenciais do ato ou negócio jurídico praticado, quando não constantes do título ou do acervo registral, poderão ser complementados por outros documentos ou, quando se tratar de manifestação de vontade, por declarações dos proprietários ou dos interessados, sob sua responsabilidade”.

Diante do cenário atual, da busca pela concentração máxima de atos no registro e das alterações de nomes, sexo e estado civil, com a “facilidade” que o direito imobiliário extrajudicial está proporcionando, é quase impossível que a aplicação do § 2º do artigo 176 seja automática, e que a matrícula seja aberta sem qualquer exigência registral ou qualquer documento que forneça o mínimo de segurança jurídica ao registro.

Devemos concluir que, apesar de a Lei de Registros Públicos trazer, de certa forma, uma solução de acesso aos títulos não registrados até sua vigência, em 1º de janeiro de 1976, não há como imaginar que, se um título dessa data acessar hoje o registro, o registrador deixará de qualificá-lo negativamente, especialmente no que diz respeito à especialidade objetiva e subjetiva. Assim, compreendemos que o ato de registro desse título seguirá a seguinte ordem:

  1. Abertura da matrícula com os elementos do título e do acervo registral, nos quais, a princípio, o registrador buscará algum elemento de segurança jurídica quanto à pessoa e ao objeto, eliminando dúvidas e aplicando, no que diz respeito ao imóvel, o § 13 do artigo 213 da LRP;
  2. Considerando que se estamos diante de um título anterior à vigência da Lei 6.015/73, alguns elementos de especialidade subjetiva e objetiva que não forem possíveis de serem sanados, em razão da precariedade do título e do registro, poderão ser mitigados, porque a lei resguarda o registrador, mas sempre buscando a segurança jurídica;
  3. Para continuidade de outros atos na matrícula, será obrigatório que o interessado suprima todos os elementos de especialidade subjetiva e objetiva que, porventura, tenham sido mitigados no ato da inscrição do título.

Por fim, adiantamos aos interessados no registro deste título: não basta apenas acessar o registro. É necessário compreender que o registro é público e pertence à sociedade. Assim, somente os elementos que, de fato, sejam impossíveis de ser sanados devem ser mitigados. Quando o registrador não encontrar segurança jurídica, a chancela do juízo competente será imprescindível para a inscrição e a continuidade do registro.

Lídia Pedrosa Clemente Cavalier

Advogada, com 27 anos de experiência na atividade notarial; sócia-proprietária do escritório de advocacia Pedrosa & Clemente Advogados. Especialista em Direito Notarial e Registral.

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